O Brasil e o carro elétrico

Como tradicionalmente ocorre para novidades, existe reação e até um certo descrédito quanto ao futuro dos carros elétricos. Porém, queiram ou não, os que desacreditam nessa novidade e os que defendem outros tipos de combustível para veículos automotores, dentro de poucos anos a grande maioria dos novos carros será de carros elétricos.

Essa afirmativa baseia-se no que já está ocorrendo na grande maioria dos fabricantes de automóveis que decidiram terminar a fabricação de novos carros movidos a combustível fóssil dentro dos próximos 10 a 15 anos. Além disso, em várias partes do mundo, decisões de governos têm sido adotadas promovendo o uso do carro elétrico e até mesmo estabelecendo data limite para o emplacamento de carros novos a combustível fóssil (exemplos como Noruega e Califórnia).

O mercado mundial de carros elétricos está tendo um crescimento exponencial à medida que as vendas excederam 10 milhões em 2022. Um total de 14% de todos os carros novos vendidos no mundo foram elétricos em 2022. Três países dominaram as vendas. A China voltou a liderar, representando cerca de 60%. Mais da metade dos carros elétricos nas estradas em todo o mundo agora estão na China.

Na Europa, o segundo maior mercado, as vendas de carros elétricos aumentaram em mais de 15% em 2022, o que significa que 20% dos carros vendidos foram elétricos. Os países com a maior percentagem de carros elétricos novos foram a Noruega (86 por cento), Islândia (64 por cento), Suécia (47 por cento), Dinamarca (35 por cento) e Finlândia (32 por cento). Nos Estados Unidos – o terceiro maior mercado – a venda de carros elétricos aumentou 55% em 2022, atingindo uma participação de vendas de 8%.

O Brasil terminou 2022 com 1.957.699 automóveis e comerciais leves vendidos. Os carros elétricos encerraram o ano com 8.460 unidades emplacadas, o que representa 17% de participação entre os eletrificados (os restantes 83% são híbridos), porém apenas irrisórios 0,43% do total de automóveis.

No lado da oferta a enorme maioria dos fabricantes tradicionais de veículos adaptaram várias de suas fábricas e desenvolveram modelos diferentes de carros elétricos. Além disso, outros novos fabricantes se apresentaram para essa concorrência.

Assim, dos 10,3 milhões de carros elétricos fabricados em 2022, 80% foram produzidos em 15 fabricantes destacando-se: BYD (1.858,364); TESLA (1,314,319); Volkswagen (835,207); General Motors (584.662); Stellantis (512.276); Hyundai (497.816); BMW (433.164).

Ainda no lado da oferta vários fabricantes definiram metas audaciosas. A TESLA vende exclusivamente carros elétricos e a BYD tem se apresentado como a maior fabricante mundial e grande competidora em preço. Volkswagen e General Motors já anunciaram que a partir de 2035 somente fabricarão veículos sem emissões. Stellantis planeja que 100% de suas vendas na Europa e 50% nos EUA sejam de carros elétricos ate o final desta década. BMW está modificando suas instalações para poder ofertar apenas veículos elétricos a partir de 2030.

No Brasil, em 2023, já temos anúncios importantes em termos de produção de veículos eletrificados, como os das montadoras Great Wall Motor e a CAOA Chery, sem contar a BYD, que negocia a construção de um complexo para produzir automóveis, ônibus e baterias no país. Outro destaque é a ampliação da oferta de carros eletrificados (elétricos e híbridos) no país em vários segmentos de mercado, passando de 70 modelos em maio para 128 opções no final de dezembro.

Mesmo assim os críticos do carro elétrico se concentram em algumas alegadas desvantagens.

Uma das alegadas desvantagens do carro elétrico é o seu preço inicial. Porém isso está mudando. Os carros compactos mais simples (e mais baratos) movidos a gasolina (Nissan Sentra, Kia Soul, Hyundai Venue, Subaru Impreza) estão custando ao redor de 20 mil dólares nos EUA, enquanto o TESLA Model 3 e o BYD Seal (100% elétricos) custam ao redor de 33 mil dólares (antes de descontar o subsídio governamental). Ou seja, com o aumento das vendas, a tendência é de equiparação de preços. Por outro lado, a manutenção e o consumo, de combustível é muito menor no carro elétrico.

Outra alegada desvantagem dos carros elétricos é a sua autonomia. Isso, na verdade, resulta do temor de não encontrar estação para recarga. Porém, a autonomia dos carros mais modernos supera de longe a dos carros a gasolina. A maioria dos fabricantes oferecem veículos com autonomia superior a 300 milhas (510 km), existindo modelos mais caros com até 500 milhas (850 km).

Mais uma alegada desvantagem se refere a recarga. Alguns indicam o tempo de recarga e a falta de rede de carregadores públicos.

Os carros elétricos podem ser carregados usando carregadores com diferentes velocidades de carregamento. O equipamento de nível 1 carrega usando uma tomada de corrente alternada residencial comum de 120 volts e pode levar de 40 a 50 horas para carregar (até 80%) um carro elétrico totalmente descarregado. O equipamento de nível 2 carrega também usando fonte de corrente alternada em 240 V, e é comum para carregamento doméstico, local de trabalho e locais públicos, incluindo, por exemplo, mercearias, teatros ou cafeterias. Os carregadores de nível 2 podem levar de 4 a 10 horas (dependendo da potencia) para carregar (até 80%) um carro elétrico totalmente descarregado. O equipamento de carregamento rápido de corrente contínua (DCFC) oferece carregamento rápido ao longo de corredores de tráfego intenso disponíveis em estações de carregamento público, e carregam um carro elétrico até 80% em apenas 20 minutos a 1 hora.

No que se refere à disponibilidade de carregadores públicos, uma pesquisa efetuada nos EUA pelo Idaho National Laboratory analisou durante 3 anos os hábitos de 8.300 proprietários de carros elétricos em 22 localidades diferentes englobando 125 milhões de milhas percorridas e 6 milhões de eventos de carregamento de carros elétricos. Retrato parte das conclusões desse relatório:

Com postos de gasolina aparentemente em cada quarteirão, pareceria lógico esperar que uma rede igualmente onipresente de estações de recarga públicas fosse necessária para reabastecer, ou melhor, recarregar seus carros elétricos. No entanto, estações de recarga podem ser instaladas onde os postos de gasolina não podem – nas casas das pessoas, locais de trabalho e destinos onde seus carros passam muito tempo estacionados. O projeto instalou estações de carregamento rápido AC Nível 2 e DC em uma ampla variedade de locais, incluindo residências, locais de trabalho, lojas, restaurantes, postos de gasolina e muitos outros locais, para permitir que os pesquisadores observassem onde os motoristas de carro elétrico carregavam.

A resposta foi clara: apesar da instalação de extensa infraestrutura de carregamento público na maioria das áreas do projeto, a maior parte do carregamento foi feito em casa e no trabalho. Cerca de metade dos participantes do projeto carregava quase exclusivamente em casa. Daqueles que carregaram fora de casa, a grande maioria preferia três ou menos locais de carregamento fora de casa. Os carregadores rápidos DC mais utilizados tendem a ser localizados perto das saídas de rodovias interestaduais.

Portanto, resta preparar-se para esse futuro. Porém, esse preparo apresenta alguns desafios.

O primeiro desafio afeta o Setor Elétrico. A transferência do consumo de gasolina para energia elétrica trará um aumento de carga para o qual o setor deve estar preparado. Essas cargas, como indicado acima, serão concentradas nas residências e nos escritórios em sua maioria, afetando, portanto, desde a geração até a distribuição de eletricidade. Deverá, portanto, o planejamento do setor fazer a coordenação com outras áreas para identificar adequadamente esse aumento de carga.

Esse aumento de carga deverá também modificar a curva de carga das regiões onde esse consumo ocorrer. No passado, devido a geração elétrica por fontes hidrelétricas e termelétricas cargas noturnas eram bem-vindas. No entanto, com a forte participação de geração fotovoltaica o aumento de carga durante o período noturno aumentará a dificuldade operativa causada pela falta de contribuição da geração solar para o atendimento das cargas.

Outro desafio afeta a vida em comunidade. A instalação de carregadores nas residências cabe aos seus proprietários e não provocam interferência com outros moradores. No entanto, no caso de conjuntos habitacionais de múltiplas unidades, como edifício de apartamentos, deverão ser acordados normas e procedimentos para o uso do espaço comum caso este seja utilizado para instalação de carregadores. Alem do uso do espaço, o custo da instalação e da eletricidade a ser consumida deve ser discutido, acordado e compactuado.

Como sugestão sobre as medidas a serem equacionadas no caso de instalação de carregadores em conjuntos habitacionais de múltiplas unidades recomendo a leitura do documento ‘Plug-in Electric Vehicle Charging Infraestructure Guidelines for Multi-unit Dwellings’ preparado pela Califórnia Plug-in Electric Vehicle Collaborative cujo link e o seguinte:

https://portal.ct.gov/-/media/DEEP/air/mobile/EVConnecticut/CAPEVPluginElectricVehicleChargingInfrastructureGuidelinesforMultiunitDwellingspdf.pdf

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